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domingo, 18 de dezembro de 2011

Envelheço

O osso, o dorso, o calo.
Da pele da palma
a pluma!

Das mãos a fluir germes.
Geme, treme,
coça!

Delas saem obras,
engenhos e prosas.
E a carne transgride a dor dolorosa.

O tempo machuca minha mão
que tende a eternizar
versos.

O osso, o dorso, as rugas.
E eu ei Di Ser Piero da Vince
ou a barba que as células ressoam.

domingo, 27 de novembro de 2011

Filmezinho

Eu sonhei com um filme. A calçada... Os passos... Sapatos Oxford nos pés. Abruptamente, os passos param. Muda a cena.
Agora a mão direita de unhas femininas e bem cuidadas toca a xícara. O dedo indicador penetra o aro e a delicada porcelana que envolve o café é levantada, chegando aos lábios pintados, porém sem brilho algum.
Eu sinto o café esquentar a minha garganta. E o nó que há nela, também.
Vejo a silhueta da moça através de uma janela antiga. A xícara de café colada nos lábios. A mão esquerda apertando a toalha de mesa.
Muda a cena.
O dia estava nublado. O par de sapatos Oxford, parado. Eu o vi baixar os olhos, franzir a testa, pedindo alguma explicação. Girou os calcanhares e seus passos voltaram de onde vieram.
A mão dela relaxou e, em desistência, deixou a xícara cair, manchando a toalha de mesa branca. A mão esquerda largou a toalha.
Ela baixou os olhos. Franziu a testa e perguntou por quê.
Ele foi embora de onde ele nunca chegou. Ela pôs a mão nos lábios. Eu acordei com falta de ar. Baixei os olhos, franzi a testa e perguntei: Por quê?

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Maré alta

Suas águas continuam adensas
Tensas e dentro destas correntezas
Múltiplas, únicas, minhas
Discorrem suas distâncias
Onde flutuo pouca, douta, rasa
Apalavrando, lavando, encurtando
Meus nados.

Até que me faltem os choros
Até que eu perca o espanto
De viver em marés impróprias
Até que a manhã
De tão clara e morna
Liquefaça as memórias
Desocupadas dos meus versos.

E que descansem meus horizontes.
Meus ontes. Meus eus antes e depois
De um poema.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Ana e a Felicidade

Ana fizera trinta anos este ano e desde os vinte vivia sozinha, por escolha, saiu do interior onde morava com os pais para viver na capital em busca de estudos melhores, trabalho e, principalmente, Liberdade. Foi bem sucedida em todas as suas buscas, aos vinte e quatro anos formou-se em publicidade e já trabalhava em uma grande empresa.

Sempre foi livre também, gostava de caminhar sozinha e olhar para o céu azul, era quando sentia uma imensa Liberdade, mas, Felicidade nunca sentiu. Não se podia dizer que era uma pessoa triste, Ana buscava a Felicidade e a encontrava em alguns momentos: quando recebia uma promoção no trabalho; quando saia para curtir com os colegas; quando assistia a um bom filme no cinema; quando beijava algum namoradinho dos muitos que teve.

Mas, nada disso a completava, ela precisava de mais, de algo maior, de uma Felicidade duradoura, constante, companheira. Ainda mais agora, agora que atingira de fato a maturidade, agora que era uma mulher bem-sucedida, inteligente, independente, só faltava-lhe ser feliz. Porém, Ana não sabia o que fazer para isso, não sabia o que faltava-lhe, o que buscar. Pensou em ter um filho já que tanto falam na Felicidade das mães, não seria difícil arranjar um pai, já que era bonita e estava inteira apesar dos trinta e, ainda por cima, tinha dinheiro. Desistiu de imediato, nunca teve vocação para mãe, não tinha a menor paciência com crianças. Deveria haver outra coisa.

Era noite de 31 de dezembro, mais um reveillon, mais um que passaria sozinha em sua linda casa. Ela e a sua garrafa de champagne. Não estava triste por isso, ela só não entendia o porquê de fazer tudo diferente em uma noite para no dia seguinte continuara tudo exatamente igual.  Mesmo assim fazia, porque gostava de rituais.

Preparou um jantar com as comidas que mais gostava, lentilha, tinha que ter lentilha para dar sorte, arrumou a fruteira com muitas uvas verdes, vestiu roupa nova, um lindo vestido branco, gostava da cor branca, separou a taça de champagne, colocou uma música suave e ficou refletindo sobre sua vida esperando chegar as doze badaladas.

Meia-noite em ponto estourou a champagne, encheu sua taça e bebeu de uma só vez, quando teve a idéia de acender todas as luzes da casa e abrir portas e janelas para a Felicidade entrar. E assim que Ana terminara de abrir a ultima porta que era a da sala, ela entrou suave e constante. E foi preenchendo toda a casa.

Ana encheu mais uma vez sua taça e agora bebendo calmamente, voltou para frente da porta e ficou ali sentindo a tal Felicidade. Pela primeira vez na vida estava sentindo a Felicidade como tinha que ser, completa, inteira, ali só dela, só Ana e a Felicidade, deitaram-se no chão e ficaram ali vivendo aquele momento, Ana e a Felicidade.

No dia primeiro um passante estranhou aquela casa toda aberta e com as luzes acesas o que não era comum nesses tempos de violência e foi ver se algo estava acontecendo. Ao chegar a porta viu aquela mulher bonita, ainda jovem, caída ao chão com um vestido branco que a fazia parecer iluminada, a taça ao seu lado quebrada. Chamou pela moça, mas preferiu não tocá-la apesar da vontade, poderia ter havido um crime e ele se comprometer.

Percorreu toda a casa, mas encontrou tudo no lugar, roubo não havia sido. Voltou até Ana, tentou escutar seu coração e nada. Respiração, nada. Estava morta. Morrera como desejou: Ela e a Felicidade.

07/01/2009

domingo, 13 de novembro de 2011

Antes de


Aos trancos e assombros
Salvaram - se só os desencontros,
Um feixe de adeus renunciando
Chegadas e o tempo – saudade
Na sala, à espera do sempre.
Há muita falha na intuição
Desenrolada no presente.
Desaprendendo o caminho
Dos dias seguintes.

A eternidade
Não entende de demoras
Quando o amor é palavra
Antes de ser agora,
Antes de ser sentimento.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Todo

Da janela do quarto vejo todo o mundo na qual
não desejo pertencer.
Viver no mundo depois da minha janela
é perder todo o charme,
do mistério que carrego.

Francisco

Francisco tinha a solidão como companhia,
era como uma poesia sem métrica ou rimas
como uma Monalisa sem tinta e cor.
Francisco vivia como nesses dias de chuva,
sempre cinza dos dias e idéias
cheio de nuvens e água gelada.
Para quietar sua tristeza, Francisco
flutuava nos sonhos que criava
ao ver as gotas da chuva cair
e secar feito folha de outono
do outubro,
e do outrora.
Em momentos às vezes, vê seu tímido olhar
cobrir em detalhes o amor.
E tem isso como objetivo,
só não é compreendido
correspondido,
e nem os didos das palavras,
soletravam o amor para Francisco.